domingo, 14 de novembro de 2010

Nós, Igreja, e o Natal



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A Igreja é conservadora por natureza. Há sempre os papões ou papistas do costume que não dão espaço ao novo, ao criativo, ao audaz e não permitem a diferença à luz do Natal - o acontecimento mais universal da História de Deus e da humanidade. Não pensem que falo só de padres e bispos, mas também de muitos simples batizados, que se apoderam das coisas da Igreja como se fossem propriedade sua.
O que se pretende com a lógica do poder a todo o custo e com a pobreza de títulos como se fosse alimento essencial para a sobrevivência? - As igrejas alimentam-se de salamaleques patéticos e anacrônicos. Mas, como dizia Jorge Luis Borges, quando em 1969 ensaiava uma oração: «o restante não me importa; espero que o esquecimento não demore». Por isso, somos levados a sentir esta pergunta crucial, para quando uma mudança da Igreja, para se fazer jus ao que reclamou o Papa Bento aos nossos bispos na sua fresca visita a Roma?
Mudar não é fácil, Jesus mostrou que esse desejo tem um preço alto. Mas em nome Dele, é preciso fazer um Natal, não apenas colorido com luzes, flores e imagens inanimadas nas casas. Antes um Natal que faça nascer a paz, a fraternidade, a justiça e o amor verdadeiros sem hipocrisias nem fachadas.
Não a um Natal do comodismo, enquanto outros ao nosso lado passam fome - penso em crianças, que passam fome em muitos dias da sua vida.
Depois ocupamo-nos a julgar «esses», porque, têm celulares, vão ao café, são bêbedos e não sabem viver com pouco. Coisas de pseudo-ricos que se comovem com as mortes nas estradas, com os desalojados das cheias no Bangladesh e com todas as imagens de morte da televisão, mas são incapazes de se comoverem com a vizinha abandonada pelo marido, que não tem nada para dar aos filhos e vivem na pior das situações. Casos muito graves de gente que à nossa volta passa fome e não tem condições para comprar a carga de livros e material da escola. Para quem vai a ajuda, que o Estado disponibiliza para os alunos, que se pensa ser para os mais necessitados? A pobreza envergonhada é um drama terrível à nossa volta que requer uma intervenção cuidada da Igreja e dos poderes públicos. Neste campo deixemo-nos de palavreado, de joguetes, de números e vamos atuar como deve ser para acabar com o flagelo da pobreza.
Por onde anda a Igreja neste campo e noutros tão fundamentais para que seja uma presença ativa e forte no cuidado das pessoas? - A meu ver perde-se em estruturas anacronicamente enraizadas, na caça aos títulos e mordomias desnecessárias, nas papeladas burocráticas que não fazem bem nenhum a ninguém e na ostentação do patrimônio, não em função das almas que se tem, mas em função do número total da população que há muito perdeu e perde progressivamente. Neste contexto, faz falta uma redenção autêntica para todos nós que desejamos ser a Igreja do Menino Deus do Natal. Uma Igreja que não se preocupasse tanto com a sua doutrina, mas que se deixasse moldar pela realidade, menos votada ao poder e mais apta para falar com toda a liberdade. Por esta via, os membros da Igreja descobrem que fidelidade não é sinônimo de lealdade feudal, mas fidelidade criativa e livre para, sem crispação, admitir o pluralismo.
Porém, o Natal para o reencontro com a Esperança, porque a religião cristã é antes de tudo a religião da Esperança, como lembra o padre Juan Masiá, o Jesuíta censurado pelo Arcebispo de Madri pelas suas posições desinibidas sobre os vários assuntos que fazem absurdamente mossa no interior da Igreja. Bom Natal.