A Igreja é conservadora por natureza. Há sempre os papões ou papistas do costume que não dão espaço ao novo, ao criativo, ao audaz e não permitem a diferença à luz do Natal - o acontecimento mais universal da História de Deus e da humanidade. Não pensem que falo só de padres e bispos, mas também de muitos simples batizados, que se apoderam das coisas da Igreja como se fossem propriedade sua.
O que se pretende com a lógica do poder a todo o custo e com a pobreza de títulos como se fosse alimento essencial para a sobrevivência? - As igrejas alimentam-se de salamaleques patéticos e anacrônicos. Mas, como dizia Jorge Luis Borges, quando em 1969 ensaiava uma oração: «o restante não me importa; espero que o esquecimento não demore». Por isso, somos levados a sentir esta pergunta crucial, para quando uma mudança da Igreja, para se fazer jus ao que reclamou o Papa Bento aos nossos bispos na sua fresca visita a Roma?
Mudar não é fácil, Jesus mostrou que esse desejo tem um preço alto. Mas em nome Dele, é preciso fazer um Natal, não apenas colorido com luzes, flores e imagens inanimadas nas casas. Antes um Natal que faça nascer a paz, a fraternidade, a justiça e o amor verdadeiros sem hipocrisias nem fachadas.
Não a um Natal do comodismo, enquanto outros ao nosso lado passam fome - penso em crianças, que passam fome em muitos dias da sua vida.
Depois ocupamo-nos a julgar «esses», porque, têm celulares, vão ao café, são bêbedos e não sabem viver com pouco. Coisas de pseudo-ricos que se comovem com as mortes nas estradas, com os desalojados das cheias no Bangladesh e com todas as imagens de morte da televisão, mas são incapazes de se comoverem com a vizinha abandonada pelo marido, que não tem nada para dar aos filhos e vivem na pior das situações. Casos muito graves de gente que à nossa volta passa fome e não tem condições para comprar a carga de livros e material da escola. Para quem vai a ajuda, que o Estado disponibiliza para os alunos, que se pensa ser para os mais necessitados? A pobreza envergonhada é um drama terrível à nossa volta que requer uma intervenção cuidada da Igreja e dos poderes públicos. Neste campo deixemo-nos de palavreado, de joguetes, de números e vamos atuar como deve ser para acabar com o flagelo da pobreza.
Por onde anda a Igreja neste campo e noutros tão fundamentais para que seja uma presença ativa e forte no cuidado das pessoas? - A meu ver perde-se em estruturas anacronicamente enraizadas, na caça aos títulos e mordomias desnecessárias, nas papeladas burocráticas que não fazem bem nenhum a ninguém e na ostentação do patrimônio, não em função das almas que se tem, mas em função do número total da população que há muito perdeu e perde progressivamente. Neste contexto, faz falta uma redenção autêntica para todos nós que desejamos ser a Igreja do Menino Deus do Natal. Uma Igreja que não se preocupasse tanto com a sua doutrina, mas que se deixasse moldar pela realidade, menos votada ao poder e mais apta para falar com toda a liberdade. Por esta via, os membros da Igreja descobrem que fidelidade não é sinônimo de lealdade feudal, mas fidelidade criativa e livre para, sem crispação, admitir o pluralismo.
Porém, o Natal para o reencontro com a Esperança, porque a religião cristã é antes de tudo a religião da Esperança, como lembra o padre Juan Masiá, o Jesuíta censurado pelo Arcebispo de Madri pelas suas posições desinibidas sobre os vários assuntos que fazem absurdamente mossa no interior da Igreja. Bom Natal.
Um texto muito bonito, que merece uma reflexão cuidada. Amigo, você está longe, mas é da nossa terra, que bonito e que interessante andar por este mundo global. Fiquei muito feliz em encontrá-lo. Um abraço e votos de um Santo e feliz Natal.
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